Saiba como é realizado o diagnóstico, quais são as causas e o tratamento
Muitas pessoas desconhecem que as crianças também podem ter reumatismo. O termo reumatismo é usado como sinônimo de doenças reumáticas e engloba um grupo variado de doenças, e a artrite é uma delas. As artrites podem ser agudas, quando duram dias ou semanas, ou crônicas, quando duram meses ou até anos. A artrite aguda mais comum é a reativa, que ocorre dias ou semanas depois de uma infecção, na maioria das vezes viral.
Várias doenças podem causar artrite, como infecções, trauma, leucemias, outras doenças reumáticas, entre outras. Hoje iremos conversar sobre a artrite idiopática juvenil
(AIJ), também denominada
Artrite Reumatóide Juvenil, que é a doença reumática crônica mais frequente na infância.
A AIJ compreende todas as formas de artrite iniciadas antes dos 16 anos, com duração de mais de seis semanas e de origem desconhecida, uma vez que tenham sido excluídas outras formas de artrite crônica. A principal manifestação clínica é a artrite,
caracterizada por dor, aumento de volume e de temperatura de uma ou mais articulações, mas também pode acometer outros órgãos, como a pele, os olhos e o coração.
É considerada uma doença auto-imune, consequência de uma resposta anormal do nosso sistema imunológico que, em parte, perde a sua capacidade de distinguir o que é “estranho” das células do próprio organismo e, por este motivo, atacam componentes das articulações, causando a sua inflamação. A causa exata da AIJ ainda não é conhecida, mas sabe-se que fatores imunológicos, genéticos e infecciosos estão envolvidos. Alguns fatores externos, como certas infecções virais e bacterianas, o estresse emocional e os traumatismos articulares podem ser gatilhos para o surgimento da doença.
O diagnóstico da Artrite Idiopática Juvenil é clínico e baseia-se na presença de artrite em uma ou mais articulações com duração igual ou maior a 6 semanas. Além da dor e da inflamação articular pode ser observada uma certa dificuldade na movimentação ao acordar (rigidez matinal), fraqueza ou incapacidade na mobilização das articulações, além de febre alta diária (> 39º C) por períodos maiores do que 2 semanas.
Existem 3 subtipos mais comuns:
pauciarticular (ou oligoarticular),
poliarticular e sistêmico. No tipo pauciarticular são acometidas até 4 articulações, sendo os joelhos e os tornozelos as mais freqüentes. Crianças com este tipo de doença devem fazer avaliações oftalmológicas frequentes uma vez que a úvea (o colorido dos olhos) pode estar inflamada sem que haja qualquer sinal visível.
No tipo poliarticular 5 ou mais articulações são envolvidas, com destaque para os joelhos, tornozelos, punhos, cotovelos e pequenas articulações das mãos e dos pés. Pode haver febre intermitente e o exame laboratorial Fator Reumatóide está presente em cerca de 10% dos pacientes.
O tipo sistêmico caracteriza-se pela presença de artrite associada à febre alta em um ou dois picos diários (= 39º C) frequentemente acompanhada por manchas róseas ou avermelhadas na pele, que tendem a aparecer ou ser mais visíveis durante os picos da febre. Outros sintomas podem incluir dores musculares, aumento do tamanho do fígado, do baço ou dos gânglios linfáticos, e inflamação das membranas que envolvem o coração (pericardite) e os pulmões (pleurite). A artrite, geralmente poliarticular, pode estar presente no início da doença ou aparecer semanas ou meses após o início das outras alterações.
A terapêutica inicial deve ser precoce em todas as crianças, levando-se em conta os diferentes subtipos. Os objetivos principais do tratamento são a eliminação dos sinais e sintomas da doença ativa, a preservação da função normal da articulação e a manutenção do crescimento da criança. Já foi o tempo em que a doença era sinônimo de incapacidade física. Os avanços no tratamento da AIJ vêm contribuindo substancialmente para a melhora na qualidade de vida dos pacientes, evitando a inflamação articular persistente e sequelas que comprometam a capacidade funcional. Entretanto, o atraso no encaminhamento para o especialista e a demora no início do tratamento pode haver comprometimento da cartilagem articular, acarretando deformidades e limitações físicas irreversíveis.
O tratamento pode ser prolongado e é muito comum haver mudanças nas medicações ao longo do acompanhamento. Alguns precisam tomar duas ou mais medicações para tentar controlar a doença e outros precisam substituir a medicação por não ter resposta ao tratamento.
Os medicamentos utilizados inicialmente são os anti-inflamatórios não-hormonais (aspirina, naproxeno e ibuprofeno), úteis no alívio da dor. O metotrexato (MTX) é o medicamento mais utilizado para o controle da artrite devido à sua eficácia, facilidade posológica (uma vez por semana por via oral ou subcutânea), segurança e baixo custo. O MTX está indicado em todos os pacientes com o tipo poliarticular e para aqueles com o tipo pauciarticular com comprometimento de quadris, punhos e tornozelos, e que não respondem bem aos anti-inflamatórios não-hormonais. Recomenda-se a realização de exames laboratoriais periódicos (hemograma e enzimas hepáticas) a cada 2 ou 3 meses para a detecção precoce de possíveis efeitos adversos, como a anemia e a hepatite medicamentosa.
Os corticosteróides em doses altas estão indicados nos pacientes com o tipo sistêmico cuja febre ou pericardite não responde ao anti-inflamatório não hormonal. Os corticosteróides por via intra-articular (infiltração) trazem benefícios para alguns pacientes com poucas articulações acometidas. Outras indicações dos corticosteróides são a uveíte, e nestes casos na forma de gota oftálmica, e eventualmente em doses baixas diárias quando a artrite da criança é muito grave, dolorosa e rapidamente progressiva.
As novas terapias biológicas (infliximabe, etanercepte, adalimumabe ou abatacept) são recomendadas para os pacientes com má resposta às medicações acima citadas. As drogas biológicas são responsáveis por inibir moléculas específicas responsáveis pela resposta inflamatória e assim diminuem o dano na articulação e nos diversos órgãos. Um fator que restringe o uso destes medicamentos é o custo elevado.
Além do tratamento medicamentoso, a fisioterapia é fundamental para a manutenção e recuperação da mobilidade das articulações acometidas e deve ser iniciada assim que possível. Seu principal objetivo é reabilitar o paciente para a realização das atividades diárias rotineiras, através do fortalecimento dos músculos, alongamento de tendões e aumento da amplitude de movimento articular.
A artrite não é uma doença infecto-contagiosa e os pacientes podem ter uma vida normal, frequentando creches, escolas, clubes e piscinas. Participar em esportes e atividades de recreação ajuda as crianças com artrite a desenvolver confiança nas suas habilidades físicas.
Por ser uma doença crônica, a
AIJ pode alterar a dinâmica familiar destes pacientes nos aspectos físicos, emocionais, sociais, educacionais e econômicos. Com isto a troca de informações entre o paciente, seus familiares, o
reumatologista pediátrico e os demais profissionais relacionados (fisioterapeuta, nutricionista e psicólogo) é fundamental para que este impacto seja minimizado.